Já te contei?...

Porque há coisas que às vezes ficam por contar...

terça-feira, 30 de maio de 2006

Inferno no Paraíso

Acabei de ler há pouco tempo um livro sobre as consequências do Tsunami nos arredores de Colombo, no Sri Lanka, escrito pela jornalista Daniela Santiago.

Para além de todas as descrições (infelizmente) decorrentes deste tipo de catástrofes, o essencial a reter deste livro é a noção de que, para além dos dois ou três minutos de reportagem diária que nos chega dos enviados especiais, neste ou noutro tipo de acontecimentos, as 24 horas do dia por que os mesmos passam, são tão enriquecedoras e intensas, que mereciam chegar a nós de uma ou outra forma.

Esta foi a forma que Daniela Santiago encontrou para nos mostrar o que fica para lá das câmaras, dos directos e das reportagens. Os medos, as impressões, as saudades, a compaixão, as crenças, enfim, todas aquelas coisas que os humanos sentem quando confrontadas com situações de extremo horror, ou de simples instinto de sobrevivência.


A descrição do povo cingalês, da sua força e da sua coragem, ou do próprio país, que, ainda que devastado, não conseguia esconder a sua beleza natural, transporta-nos para o antigo Ceilão, a Taprobana que Camões nos descrevia como paradisíaca, com os seus cheiros e sabores a chá e canela.

Também a nível político temos uma aproximação à realidade dos cerca de 20 anos de guerra civil entre os guerrilheiros Tamil e o Governo de maioria budista, que marcou o modo de vida da população, nomeadamente no que respeita à sua distribuição geográfica.

Numa visão mais mística, temos uma aproximação ao pensamento budista, que contempla ideias como o sofrimento e a insatisfação ou a prática do bem, pelo bem. Dei comigo a pensar nestes elementos em contraponto com a visão “interesseira” do catolicismo, que “cativa” os fiéis, prometendo-lhes a salvação eterna, a ascese da alma ao paraíso, quando, a meu ver (e daí ter-me identificado em alguns pontos com o pensamento budista) é aqui, no mundo real, nesta vida que é a única que conhecemos, que devemos fazer por ser felizes e, na medida das nossas capacidade de seres falíveis e imperfeitos, praticar o bem.

Um livro achado por acaso, que desfolhei por mera curiosidade mórbida de espreitar o sofrimento alheio, revelou-se um instrumento de pensar valioso.

Só acho que não era o livro mais indicado para ler depois de ter efectuado a reserva da minha viagem de sonho para as Maldivas, mesmo “ali ao lado”…